8 de mai. de 2013

Uma carta, três enganos

Continuando o que já se pode considerar a tradição epistolar destes tempos de crise, Passos Coelho escreveu uma carta à troika sobre os cortes no Estado Social. Aí avisa que está a estudar cortes adicionais desde o verão de 2012. Esta informação é uma raridade na comunicação governamental: é verdadeira. Os professores que foram despedidos, os hospitais onde os medicamentos faltam e as famílias a quem a segurança social falha quando perdem tudo, já sabem há muito que é assim (e que se arrisca a ser pior). Mas o Governo, por estes dias, tem contado uma história diferente; Passos Coelho e Paulo Portas afirmam a cada passo que os cortes são consequência da decisão do Tribunal Constitucional. A carta à troika esclarece o engano. Cortar as despesas sociais e nos serviços públicos não é o plano B do Governo. Sempre foi o plano A.
A decisão do Tribunal Constitucional provocou a ira do Governo. Vítor Gaspar publicou mesmo um despacho paralisando todo o Estado até encontrar alternativas aos “custos” da decisão. Pagar 13.º mês a função pública e pensionistas, repor os 5% e 6% cortados nos subsídios de doença e desemprego, aparece ao Governo como um desvio colossal das contas. Talvez seja melhor desfazer o equívoco: as metas orçamentais falhadas, só em 2012, constituem um desvio três vezes maior que o valor para cumprir a Constituição. E é bom não esquecer que Vítor Gaspar impôs medidas de austeridade de 24 mil milhões de euros para conseguir menos de 7 mil milhões de consolidação orçamental; ou seja, deitaram ao lixo mais de 17 mil milhões de euros. CDS e PSD, se querem dramatizar politicamente a necessidade de cumprir o défice, só têm que olhar para os seus próprios falhanços.
O Governo fez já por diversas vezes o que sempre jurou que nunca faria: renegociar. A palavra que parecia criminosa há dois anos, quando o Bloco afirmou sozinho que a renegociação é inevitável, faz agora parte do quotidiano do país. Governo e Bruxelas anunciam agora o alargamento por sete anos dos prazos de pagamento da dívida.
Sempre dissemos que ter mais tempo para pagar é uma das condições para tornar a divida mais sustentável. Pagando menos por ano, poderemos libertar dinheiro para o investimento e a promoção do emprego. Mas, ao associar essa extensão do prazo a medidas adicionais de austeridade - como fez o Governo -, ficamos “amarrados” por mais tempo e com menores condições de pagar. Não há prazo que nos valha, quando mais tempo é também mais austeridade. Se a política continua a matar a economia, a dívida não será nunca paga.

Catarina Martins
in:jornal vivacidade

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